Nota do CDHMP sobre a conjuntura nacional
NOTA do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
Nas últimas semanas assistimos o desenrolar de uma grave crise institucional da República que tem levado ao sectarismo e ao extremismo. A polarização do país que emerge de forma acentuada a partir das jornadas de junho de 2013, é propiciada por uma série de questões mal resolvidas do passado brasileiro, que a redemocratização, a Constituição Federal de 1988 e os governos seguintes não ousaram resolver, como o racismo e as desigualdades estruturais e a não regulamentação dos meios de comunicação, bem como a submissão do próprio Estado ao poder econômico e ao conservadorismo de uma elite descendente e herdeira daqueles que ocuparam o topo da pirâmide social do Brasil Colônia e Império.¹
Nesse ínterim, as conquistas democráticas das últimas décadas ficam a mercê da ação dos grandes grupos econômicos e religiosos.
Ao mesmo tempo em que cresce vertiginosamente o lucro dos banqueiros, os trabalhadores sofrem com pesados ajustes fiscais e tributação. A luta pela salvaguarda de direitos trabalhistas e sociais depara-se com a criminalização dos movimentos populares, destacando-se aqui, a Lei Antiterrorismo, sancionada há poucos dias pela presidência da República, aberta a interpretações de um judiciário subserviente ao poder econômico. Destaca-se ainda, a autorização da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, para que as Forças Armadas utilizem bloqueadores de sinal em locais de manifestações durante as Olimpíadas.
Em paralelo, uma série de alianças espúrias entre políticos e líderes religiosos pentecostais e neopentecostais resultam em políticas de favorecimento – a exemplo de isenções fiscais a templos religiosos. O fundamentalismo acaba por determinar a agenda política do país, confiscando os direitos de grupos denominados “minorias”. Proliferam-se os programas de pastores em emissoras públicas, onde os discursos de ódio às “minorias” e incitação a violência disseminam-se. Um forte incentivo para uma sociedade já marcada por séculos de cultura patriarcal e violenta. Não é de se surpreender que o Brasil é o país com a maior taxa de assassinatos de transexuais, travestis e homossexuais, com a devida conivência do judiciário, do legislativo e do executivo.
Indígenas sofrem com a ação de pistoleiros armados como se ainda vigorasse o período colonial. O extermínio da população negra configura-se em política de Estado com a ação premeditada das forças de “segurança pública”, quase uma atualização dos antigos feitores e capitães do mato. Os direitos das mulheres são ameaçados por discursos ultraconservadores que descartam políticas públicas enquadrando-as como “ameaças” ao que chamam de “Família Tradicional”.
Por fim, a ausência de políticas de regulamentação da Grande Mídia, geram os oligopólios que resultaram em constituir-se no 4º Poder da República, nas mãos de onze homogêneas famílias, todas elas brancas e patriarcais. Criam-se tribunais midiáticos e formatam a opinião pública buscando homogeneizar a sociedade anulando a diversidade presente no país.
A saída para erradicar o ódio e a violência, passa por uma construção política coletiva, de fortalecimento das instituições democráticas e com a necessária ousadia que os governos não tiveram, que é de mexer nas estruturas seculares do Brasil. E garantir que as conquistas democráticas de 1988 sejam efetivas para todos os grupos sociais, principalmente os que continuaram sendo marginalizados mesmo depois da chamada Constituição Cidadã.
Temos adiante uma luta difícil, da nossa voz contra a Grande Mídia, da nossa força contra os grandes grupos econômicos, da nossa identidade contra o fundamentalismo. Uma luta que não cabe a avaliação de possível ou impossível, mas de uma luta como compromisso histórico e pautada na solidariedade e no respeito a todas as pessoas, independente de suas identidades e ideologia.
Nesse ínterim, nos posicionamos:
1. Somos veementemente contrários a uma justiça seletiva, parcial e partidarizada, que mantém a desigualdade e a exploração dos mais pobres, captura direitos civis básicos, criminaliza e promove julgamentos públicos em casos em que processos jurídicos tenham sequer sido abertos.
2. Repudiamos as tentativas de ruptura com o Estado Democrático de Direito e os movimentos em direção a um Estado Policial, com sérias ameaças e violações a democracia.
3. Condenamos o papel manipulador da mídia que, servindo a interesses econômicos e fundamentalistas, provoca convulsões sociais e fazem aflorar sentimentos de rivalidade, ódio e descontrole nas manifestações sociais e participação popular.
4. Somos contrários a toda forma de corrupção, própria de um sistema que se funda na exploração daqueles que produzem as riquezas e não podem delas desfrutar. No entanto, a corrupção não será combatida sem um processo judicial ético e transparente, que respeite todas as instituições democráticas e, principalmente, que promova a consciência política do povo brasileiro sem que seja golpeado ou enganado em suas principais demandas.
5. Reivindicamos que todas as propostas de combate à corrupção tenham um caráter republicano e não sensacionalista, e que, de fato, puna todos aqueles que incorreram em ilegalidades, não selecionando quem será punido ou não, a partir de interesses políticos que disputam projetos distintos de sociedade.
6. Nos posicionamos de modo solidário e defensor do direito de mulheres, negros, indígenas, jovens, população de rua e comunidade LGBT, que sofrem violência, entendendo que uma sociedade construída em bases humanitária, igualitária e justa é uma sociedade que assume, incondicionalmente, a consolidação dos Direitos Humanos em todas as instâncias e contextos sociais.
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¹ É bastante ilustrativo o caso do senhor Roberto Setúbal, atual presidente do Banco Itaú, neto em quarto grau de D. Maria Luiza de Sousa Aranha, que recebeu o título de viscondessa de Campinas do imperador D. Pedro II. A fortuna familiar originou-se durante o período colonial brasileiro com o trabalho escravo de negros e indígenas em suas propriedades obtidas através de sesmarias (doações de terras fornecidas pelos reis de Portugal). Ver:http://www.itauunibanco90anos.com.br/flippage/AsFamilias/ Acesso 27/03/2015.